Fala pessoal. Beleza? Vamos hoje tratar de um assunto que cai muito em concursos federais: denúncia aos tratados internacionais.
A cessação de cumprimento de um tratado deve ser submetida à disciplina da denúncia, ato unilateral do Estado pelo qual manifesta seu desejo de deixar de ser parte de um tratado. Em face do regime de Direito Internacional, apenas o ato da denúncia implica na retirada do Estado de determinado tratado internacional. Inexistindo ato da denúncia, persiste a responsabilidade do Estado na ordem internacional.
O caso examinado pelo STF foi o de um decreto presidencial que comunicava a retirada do Brasil da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que proíbe a demissão sem causa.
Além de vedar a dispensa imotivada, a Convenção 158 da OIT prevê uma série de procedimentos para o encerramento do vínculo de emprego. A norma foi aprovada pelo Congresso Nacional e posteriormente promulgada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Meses após a promulgação, contudo, o presidente comunicou formalmente à OIT a retirada do Brasil dos países que a haviam assinado.
No voto prevalecente (relator Min. Dias Toffoli) ficou registrado que a exclusão de normas internacionais do ordenamento jurídico brasileiro não pode ser mera opção do chefe de Estado. Como os tratados passam a ter força de lei quando são incorporados às leis brasileiras, sua revogação exige, também, a aprovação do Congresso.
Apesar dessa exigência, na prática tem havido uma aceitação tácita da medida unilateral. Mas, segundo o relator, essa possibilidade traz risco de retrocesso em políticas essenciais de proteção da população, porque a prerrogativa pode vir a recair sobre mandatário de perfil autoritário e sem zelo em relação a direitos conquistados.
No caso concreto da Convenção 158, o STF decidiu manter válido o decreto que a denunciou, em nome da segurança jurídica. A maioria do colegiado acompanhou a proposta do relator para aplicar a tese da inconstitucionalidade da denúncia unilateral de tratados internacionais apenas a partir da publicação da ata do julgamento da ação, mantendo, assim, a eficácia de atos praticados até agora.
O STF decidiu, ainda, que a denúncia de tratados internacionais pelo presidente da República exige a anuência do Congresso Nacional. Esse entendimento vigorará a partir de agora, preservando os atos anteriores.
Até aqui suficiente para provas objetivas. Vamos aprofundar para discursivas e orais?
A discussão proposta não é estranha à doutrina, que, ainda sob a vigência de regimes constitucionais anteriores, endereçou a questão em proveitoso debate (isso sempre é cobrado em provas orais: “-Dr., esse ‘instituto de direito’ é uma inovação da CR/88?” Então, fixem essa informação). Cuida-se de matéria atinente aos pressupostos constitucionais do consentimento manifestado pelo Estado brasileiro para a assunção de compromissos externos, o que se convencionou chamar treaty- making power.
Dito de outra maneira, a resolução do problema posto na presente ação perpassa a compreensão da forma como a Constituição delineia o exercício do poder político voltado à incorporação dos tratados internacionais ao direito interno, o que, salvo algumas variações, não sofreu grandes transformações sob os regimes constitucionais que precederam ao vigente.
O TREATY-MAKING POWER NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
Até o final do século XVIII, a conclusão dos tratados foi sempre sujeita à vontade dos monarcas. Essa vontade era absoluta. A validade interna de um tratado não se questionava, pois o soberano sempre poderia impor a sua primazia. A política externa, portanto, era apenas uma questão a ser tratada entre príncipes, excluindo qualquer intervenção dos governados que só puderam se envolver com política externa após a revolução francesa.
A evolução constitucional da Europa e a participação do poder legislativo e executivo na conclusão dos tratados internacionais foi marcada pela adoção da Constituição Belga de 1831. Trata-se de um texto constitucional inovador, que privilegiou a participação legislativa.
A fórmula franco-belga relativa à celebração de tratados internacionais prevê a existência de dois tipos de tratados: os tratados celebrados diretamente pelo executivo; e os tratados submetidos à uma aprovação prévia das Câmaras, como aqueles relativos ao comércio, às finanças do estado e à legislação em vigor, e percorreu o mundo – sem dúvida, serviu como modelo para o movimento constitucional em diferentes países no sentido de ampliar os poderes dos parlamentos e aumentar suas prerrogativas na celebração de tratados internacionais, incluindo no Brasil.
A discussão proposta não é estranha à doutrina, que, ainda sob a vigência de regimes constitucionais anteriores, endereçou a questão em proveitoso debate. Cuida-se de matéria atinente aos pressupostos constitucionais do consentimento manifestado pelo Estado brasileiro para a assunção de compromissos externos, o que se convencionou chamar treaty- making power (o poder de celebrar tratados).
Dito de outra maneira, a resolução do problema posto na presente ação perpassa a compreensão da forma como a Constituição delineia o exercício do poder político voltado à incorporação dos tratados internacionais ao direito interno, o que, salvo algumas variações, não sofreu grandes transformações sob os regimes constitucionais que precederam ao vigente.
A Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824 seguiu o modelo franco-belga, segundo a qual a intervenção do poder legislativo é obrigatória para certos tratados considerados particularmente importantes.
Constituição de 1891 continha disposição semelhante à atual, ao prever a competência privativa do Presidente da República para “entabular negociações internacionais, celebrar ajustes, convenções e tratados, sempre ad referendum do Congresso, e aprovar os que os Estados celebrarem na conformidade do art. 65, submetendo-os, quando cumprir, à autoridade do Congresso” (art. 48, 16º). Por sua vez, ao Congresso Nacional caberia “resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras”.
O regime constitucional de 1934 dispunha competir privativamente ao Presidente da República “celebrar convenções e tratados internacionais, ad referendum do Poder Legislativo”, (art. 56, § 6º) resguardando ao Parlamento a competência exclusiva para “resolver definitivamente sobre tratados e convenções com as nações estrangeiras, celebrados pelo Presidente da República, inclusive os relativos à paz” (art. 40, a).
A Carta de 1937 , do Estado Novo, limitou-se a replicar a previsão de sua antecessora, no sentido de competir privativamente ao Presidente da República “celebrar convenções e tratados internacionais, ad referendum do Poder Legislativo” (art. 74, f). Cabia ao Conselho Federal, porém, discutir e votar projetos de lei sobre tratados e convenções internacionais (art. 54, a).
A Constituição de 1946 retomou a previsão das competências do Presidente e do Congresso Nacional sobre o tema, dispondo caber ao
“celebrar tratados e convenções internacionais ad referendum do Congresso Nacional” (art. 87, VII) e ao segundo “resolver definitivamente sobre os tratados e convenções celebradas com os Estados estrangeiros pelo Presidente da República” (art. 66, I).
Sob esse regime, floresceu na doutrina internacionalista a discussão acerca dos acordos executivos, com referência à experiência norte-americana, que conferia interpretação restritiva ao termo treaties (tratados), de forma a vislumbrar a possibilidade de que certos atos jurídicos internacionais não passassem pelo crivo do Poder Legislativo quando a matéria tratada se referisse exclusivamente a atribuições constitucionais do Poder Executivo, conforme entendimento esposado, há muito, por Hildebrando Accioly (ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G.E. do Nascimento; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público . São Paulo: Saraiva, 19ª ed., 2011) e refutado, entre outros, por Haroldo Valladão e Francisco Rezek (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O treaty-making power na Constituição brasileira de 1988: uma análise comparativa do poder de celebrar tratados à luz da dinâmica das relações internacionais. Revista Brasileira de Política Internacional , v. 44, p. 82-108, 2001; REZEK, Francisco. Direito Internacional Público : curso elementar. São Paulo: Saraiva. 17ª ed., 2018).
Importa ressalvar que aquele debate, embora relevante, envolvia hipótese excepcional que não aproveita ao presente caso, o qual não dispõe sobre acordos executivos e cujo pressuposto fático é a aprovação do tratado internacional em questão (Convenção nº 158 da OIT) pelo Congresso Nacional.
Por último, a Constituição de 1967 , antecessora do regime constitucional vigente, previa a competência privativa do Presidente para “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, ad referendum do Congresso Nacional” (art. 83, VIII) e a competência exclusiva do Congresso Nacional para “resolver definitivamente sobre os tratados celebrados pelo Presidente da República” (art. 47, I).
Restabelecendo o regime democrático, estipulou a Constituição de 1988 , de forma semelhante às suas antecessoras, ser de competência privativa do Presidente “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional” (art. 84, inc. VIII) e de competência exclusiva do Congresso Nacional “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (art. 49, inc. I).
Vamos tratar mais detidamente, em outra postagem, sobre o processo de celebração dos tratados. Hoje ficamos por aqui.
Vamos em frente e contem sempre comigo.
Dominoni (@dominoni.marco)